Era verão em Ituiutaba, pequena cidade encravada no nariz de Minas Gerais, o que significa caminhar, no início da tarde, debaixo da inclemência de um sol arrogante, ao redor de uma sensação térmica de quarenta graus ou mais. Era madrugada. Neste 17 de outubro de 1971, fui ejetado do útero materno com a desinibição típica das melhores parideiras do triângulo mineiro. Ambos nos sentimos aliviados. Eram tempos de ditadura e sei que isso significou longas filas para consultas e internações e, logicamente, uma corrida de ônibus até o hospital mais próximo, onde uma enfermeira, amiga da família, ajeitara um quarto e um médico recém-formado.
Aos cinco anos pedia com insistência que me levassem a alguma escola, o que só foi acontecer um ano mais tarde e desconheço os motivos. Cheguei lá alfabetizado e, como naquela época permitiam, paradoxalmente, algumas liberdades a mais, me levaram para a série seguinte. Ao dez anos me tornei devoto de Machado de Assis, de José de Alencar e de José Lins do Rego. Mais tarde, minhas leituras, sem orientação, aleatórias, tiveram uma mudança de orientação, quando li a coleção Vagalume inteira. Nada que Guimarães Rosa não tivesse resolvido poucos anos depois, com seu Sagarana. Assim, prestei o Vestibulinho para ter acesso à segunda parte do ensino fundamental, que consistia da quinta a oitava série do primeiro grau.
Era uma escola pública polivalente, que oferecia cursos que são conhecidos hoje como integrados. À grade tradicional somavam-se disciplinas de caráter profissional, como marcenaria, horticultura e educação para o lar. Fiquei ali até o primeiro ano do segundo grau, quando me transferiram para um colégio de padres. Tive aulas de teologia com um exorcista, aprendi fundamentos de latim, francês e música e comecei a gostar de cerveja.
Como eu não sabia o que fazer da vida, resolvi cursar Engenharia. Escolhi Mecânica e me graduei alguns anos mais tarde. A indústria e o estresse de um chão de fábrica não eram para mim, de modo que só havia uma solução: a carreira acadêmica. Cursei Mestrado na mesma Universidade Federal de Uberlândia e doutorado na USP.
Durante o mestrado em Engenharia publiquei, economizando da bolsa que recebia para estudar, um livro de contos: “Seres e sombras”, em 1997. Durante o doutorado veio o segundo livro, também de contos: “Coreografia dos Danados”, título inspirado em um verso de Augusto dos Anjos. Doutorei-me em 2003 e prestei um concurso para a docência e desde então venho lecionando para jovens e adultos.
Como eu me sentia ignorante nas áreas humanas, me matriculei em dois cursos: Letras e Pedagogia. De 2003, quando abandonei o curso de Letras, até hoje, foram mais sete livros publicados: “As espirais de outubro”, Nankn, 2007, prêmio PAC do governo do Estado de São Paulo; “Abismo poente”, Ficções, 2009, prêmio PAC do Estado de São Paulo; “Sol entre noites”, Ficções, 2011, prêmio PAC do Estado de São Paulo; “Moenda de silêncios”, em parceria com o escritor Ronaldo Cagiano, Dobra Editorial, 2012, prêmio PAC do Estado de São Paulo; “Lúcifer e outros subprodutos do medo”, Penalux, 2015, prêmio ProAc do Estado de São Paulo; “A verdade é apenas uma versão dos fatos”, Penalux, 2017 e “O privilégio dos mortos”, Patuá, 2019.
Neste meio tempo fui convidado a participar de duas antologias, uma em alemão, “wir sind bereit” e outra em árabe, “min al mahjar ila al watan”, organizada pela revista Pessoa. Participei, aqui no Brasil, de importantes antologias: Geração zero zero, organizada por Nelson de Oliveira, que mapeou os escritores brasileiros mais emblemáticos surgidos na primeira década do século XXI e “Os cem menores contos brasileiros do século”, organizada por Marcelino Freire.
Whisner Fraga